domingo, 6 de setembro de 2009

POR QUE OS CEARENSES SÃO TÃO BONS EM MATEMÁTICA

O enigma do Ceará


Autor(es): Marco Bahé, de Fortaleza

Época - 31/08/2009


Como um Estado cujo ensino está abaixo da média nacional tem o maior número de medalhistas em olimpíadas de química, física e matemática

TALENTO E OPORTUNIDADE
Arthur, João Victor, Levindo e Thalys, selecionados para uma Olimpíada Internacional de Química. Eles estudaram 20 horas extras por semana
          O Ceará é o maior medalhista brasileiro em olimpíadas acadêmicas nacionais e internacionais. Seja matemática, física ou biologia, a proporção de títulos cearenses impressiona. Dos 670 alunos que obtiveram medalhas em competições desse tipo nos últimos anos, 260 eram do Ceará. No vestibular do Instituto Tecnológico da Aeronáutica, considerado o mais difícil do país, 30% das vagas, todos os anos, ficam com estudantes cearenses. Particularmente em química, os cearenses são craques. Nos últimos quatro anos, todos os representantes brasileiros nas Olimpíadas Internacionais de Química saíram do Ceará – passando por seletivas que envolvem a cada ano 164 mil estudantes e 5.600 escolas do país. O Ceará já conquistou 52 medalhas internacionais em química – entre disputas mundiais e ibero-americanas. Piauí, o segundo colocado, tem apenas nove.
          Esse desempenho indica a excelência do ensino cearense, certo? Errado. Os alunos do Estado têm média inferior à brasileira. No Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio, que avalia o que se aprendeu durante a vida escolar, o Ceará está abaixo da maioria dos Estados. Se a estrutura do ensino deixa tanto a desejar para a grande maioria dos jovens, como alguns dos melhores estudantes do país surgem lá?
          A resposta é que o Ceará simboliza como nenhum Estado o fosso entre escolas públicas e particulares. A maior parte dos alunos que se destacam é de classe média e vem de famílias que valorizam o estudo. Para esses garotos, o Ceará oferece opções de ensino de qualidade. E mais: focado nos padrões internacionais. É o caso dos quatro estudantes cearenses que representaram o Brasil nas Olimpíadas Internacionais de Química, em julho, na Inglaterra. Levindo Garcia Quarto, de 17 anos, o brasileiro mais bem colocado, levou a medalha de prata. Levindo é um adolescente típico. Participa dos jogos interclasses do colégio, gosta de música e de piadas ingênuas. Sua vida mudou quando os professores de química notaram uma queda pela matéria. “Sempre fui um aluno regular, com notas boas na maioria das disciplinas”, diz. “Nunca pensei que um dia participaria de uma competição mundial.”
          Desde que foi selecionado para disputar as olimpíadas, além da carga horária normal do colégio, Levindo dedicava 20 horas semanais ao estudo. Ele e os outros três cearenses ganhadores da seletiva brasileira: Thalys Sampaio Rodrigues e Arthur Braga Reis, de 17 anos, e João Victor Rocha Magalhães Caminha, de 16, que foi ouro na disputa nacional. Os quatro são alunos do mesmo colégio, o Ari de Sá Cavalcante. A escola investe na preparação para as olimpíadas, e isso acabou se tornando uma espécie de marketing no mercado local. Já mandou alunos para as disputas mundiais de física, no México, e de biologia, no Japão. Além de professores próprios, o Ari de Sá contratou para ajudar na preparação o também cearense Walter Collyer Braga, 1o lugar na Olimpíada Estadual de Química, prata na Olimpíada Brasileira e no Campeonato Ibero-Americano e bronze no Mundial de 2008, na Hungria. “Quando um aluno volta das olimpíadas com uma medalha, contamina, no bom sentido, toda a escola”, diz Walter, de 18 anos.
          O Colégio 7 de Setembro, de Fortaleza, construiu um observatório astronômico, com duas estações telescópicas e uma cúpula giratória, para preparar os estudantes para a Olimpíada de Astronomia e Astronáutica. Vários de seus alunos já conquistaram medalhas. Thaís Macedo Bezerra Terceiro Jorge, de 18 anos, foi medalha de ouro no Campeonato Ibero-Americano de Química, realizado no Rio de Janeiro e prata na Olimpíada Internacional de Moscou em 2007. Os resultados lhe renderam um convite para o Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, onde se tornou pesquisadora. “As olimpíadas criaram perspectivas com que nunca sonhei”, diz. O coordenador nacional das Olimpíadas de Química, Sérgio Melo, diz que o que faz a diferença a favor dos cearenses é a obstinação. “Muitas escolas criaram um ambiente propício para os alunos estudarem. Os frutos estão sendo colhidos agora.”
          Na outra ponta, porém, está a grande maioria dos jovens do Estado. A nota do Ceará no Enem de 2008 foi 46,45. Três pontos abaixo da média nacional, que já é considerada muito ruim. O ensino público não tem a estrutura física, as salas confortáveis, os salários dos professores, a biblioteca e os laboratórios de um colégio como o Ari de Sá – como sabem Thiago Rodrigues, de 16 anos, André Luis Macena, de 15, e Naiane da Silva, de 17, alunos da Escola Estadual Helenita Mota, no Serviluz, um dos bairros mais violentos de Fortaleza. Lá, 560 estudantes se revezam em cinco salas. “Na verdade, são quatro salas e meia”, diz o diretor, Ivan Queiroz e Silva. Faltam professor de física e de sociologia. A educação física é num terreno baldio ao lado da escola.
Das 670 medalhas brasileiras em competições acadêmicas mundiais, 260 foram ganhas por cearenses
          Segundo Thiago, os estudantes da rede pública não conseguem competir em pé de igualdade. “Como é que um aluno vai se interessar num lugar como este aqui?” Naiane conta que, nos dois anos em que está matriculada no Helenita Mota, nunca pôde acessar o laboratório de informática. Ele vive fechado. “Os professores mandam a gente fazer pesquisa nas lan houses. Mas nem sempre a gente tem dinheiro”, afirma. “Além da falta de estrutura, a gente tem de driblar também a violência. Há dia em que os pais não deixam os filhos ir para a aula porque teve tiroteio de traficantes com a polícia”, diz André.
          Os três não deixam de sonhar tão alto quanto os alunos das escolas privadas. Thiago quer ser engenheiro. Naiane, cirurgiã. André está em dúvida entre medicina, engenharia e arquitetura. “A gente chega lá”, diz Thiago. O professor Sérgio Melo diz que a organização das olimpíadas acadêmicas pode ajudar as escolas públicas. “Estamos com um projeto-piloto no qual os estudantes premiados em competições nacionais e internacionais visitam as escolas públicas para incentivar os jovens. Há uma troca de experiência, e o resultado vem sendo bom. Já fizemos isso em 62 escolas, de três Estados. É uma iniciativa positiva, mas não vai mudar a realidade da escola pública”, diz.

0 comentários:

Postar um comentário

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Top WordPress Themes